Páginas

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Calor da Boba Serena


Calor da Boba Serena
Nessa vida que vivi
Nunca dei um passamento,
Nem por fome, nem por amor,
Nem coisa do pensamento,
Mas ontem caí durim
Bem no mei do calçamento.

Tava atravessando a rua
Quando a vista escureceu,
Era mei-dia em ponto
E o céu virou um breu,
Faltou o sangue na veia
E a perna esmoreceu.

Quando tornei do desmaio
Via a cara de um dôtor,
O povo me abanando
Com uma cara de pavor,
E uma fulana gritando
- Isso foi bem o calor.

Me montaram numa moto
Eu ainda baqueado,
Me agarrei no motorista
Que falou  agoniado
“O dôtor já foi pro posto,
E você vai internado”.

Uma ruma de exame
O dôtor falou pra mim
“Seu problema é o calor
Já atendi quatro assim”
Passou logo o tratamento,
Vou fazer bem direitim.

Todo dia que acordo
Tomo dois côco gelado
Um pedaço de melancia
Pr’eu ficar bem hidratado
Depois vou pro tanque d’água
E passo uma hora sentado.

Hora de escovar os dentes
Pego uma pasta bem ardida,
Mastigo uma folha de menta
Pedra de gelo partida,
No final um copo d’água
Que ficou ali dormida.

Me besunto uma pomada
Feito cordão e cerol,
Um chapéu de abas largas
E os óculos do tersol,
Um guarda-chuva aberto
Mode proteger do sol.

As mangas de motoqueiro
Também não podem faltar,
Uma calça de linho branca
Que é pros ovos não suar,
O calçado é uma alpercata
Mode os pés não esquentar.

Quando chego ao serviço
Molho logo a moleira,
Os pés da nuca e os pulsos
Pra melhorar a canseira,
E a cada hora que passa
Repito a brincadeira.

A boia que já era fria
Agora ficou gelada,
Também o comer é pouco,
Nada de coisa pesada,
E depois pra encerrar
Dois litros de limonada.

Chegando o final do dia
Vai vindo uma melhorinha,
O sol vai então cansando
E deixa cair à tardinha,
Mas o Aracati se perdeu
Pelas cidades vizinhas.
  
Quando eu volto pra casa
A comadre quer amor,
Mas mesmo todo molhado
De frente ao ventilador,
Não tem cabra que aguente
Dá uma nesse calor.

Agora o que dá pena
É de ver os animais,
Urubu se abanando
O gado nem baba mais,
Até cobra cascavel
Nem prum bote é capaz.

Coloquei um copim d’água
Deixei a gaiola aberta,
Pois num é que uma rolinha
Chegou faceira, esperta,
Desistiu da liberdade
E pediu prisão perpétua.

Também sofre os dôtor
Que tem que andar de terno,
Não sei o que nós fizemos
Pra ter esse sol eterno,
Pois nem o Diabo aguenta
Esse calor no inferno.

Fiz promessa pra São Pedro
Mas não veio resultado,
Nenhuma nuvem no céu
Nenhuma gota no roçado,
Se continuar assim
Morreremos estorricado.

Pra São Paulo não vou mais,
A água lá acabou,
Será que as torneiras do céu
Deu um pau? Desmantelou?
Ou será que foi castigo
Birra de nosso Senhor?
  
Enquanto a chuva não vem
Enquanto o sol não apeia,
Eu vou dando o meu jeito
Fazendo o que me aconselha,
Rezando prum dia cair
Granizo nas minhas telhas.

Pode ser de um espirro
Ou de borboleta voando,
Pode ser de um assobio
Ou d’uma bandeira abanando,
E nem mesmo de um peido
Um vento tô dispensando.

Nenhum comentário:

Postar um comentário